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24/09/2009

Contrato de Resseguro - Atipicidade

A intervenção estatal nos fundamentos contratuais pactuados e com vistas no interesse social e coletivo - não atinge o contrato de resseguro. Ele continua sem este tipo de ingerência particularizada do Estado, cabendo às partes pactuantes a determinação das bases de contratação e criando, assim, normas ou regras específicas no mais puro modelo contratual clássico, que já deixou de vigorar em outros setores da sociedade econômica, inclusive no securitário.

A intervenção estatal deve ficar centrada na atividade resseguradora e não na formação dos contratos de resseguro. Neste aspecto, da atividade de resseguro, o Estado tem a função precípua de preservar a solvabilidade do sistema e visando a proteção da sociedade. As cláusulas contratuais de resseguro constituem, por assim dizer, a primeira fonte normativa (ou de Direito) nas operações deste segmento. Diferentemente dos outros tipos de contratos existentes na sociedade pós-moderna, nos quais o princípio do “pacta sunt servanda” basicamente deixou de ter força cogente, enquanto que passaram a ser dirigidos muito mais pelos princípios da função social do contrato, de acordo com a visão bastante coletiva e nada individualizada do pensamento liberal do século XIX, os contratos de resseguros ensejam outro tipo de hermenêutica. São regidos através de suas próprias cláusulas – nos exatos termos e condições, conforme os usos e costumes internacionais.

O contrato – enquanto fonte normativa de Direito – tem movimentado o mundo internacional de resseguro, não carecendo de mudanças a este respeito. A legislação internacional acerca do contrato de resseguro é escassa e não menos eficaz por tal motivo, até porque a autorregulação sempre se deu através do livre pacto realizado pelas partes interessadas. Não há que se cogitar de hipossuficiência em relação ao Ressegurado e o Ressegurador, pois que as partes são ambas profissionais, conhecedoras de suas atividades e manejam sobejamente a inter-relação existente quanto as suas necessidades ou interesses recíprocos. O trato, portanto, é estabelecido entre empresas profissionais, sem qualquer tutela particularizada por parte do Estado. Na condição de fonte secundária de direito ressecuritário apresentam-se os usos e costumes internacionais. Este mecanismo consuetudinário tem aceitação universal, corroborada pela jurisprudência ou pelos casos precedentes dos países da common law - Reino Unido e Estados Unidos da América, principalmente.

São preceitos conhecidos e praticados por todos os mercados livres do mundo, cuja variação pouco depende das manifestações jurisdicionais locais, que em princípio acatam aquilo que já é usual em outros países, de longa tradição. No ensinamento de Vicente Ráo, o costume se define “pela regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por modo constante e uniforme e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica”. Seria inoportuno ou mesmo extravagante qualquer país pretender estabelecer regras diferenciadas daquelas que são praticadas pelos mercados mundiais de resseguro. Nessa linha de exposição do tema, a Lei Brasileira de Introdução ao Código Civil n.º 4.657, de 04.09.1942, no seu art. 4º, traduz o que é o pensamento internacional a tal respeito, ao estatuir que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. No ensinamento da jurista e Professora Maria Helena Diniz, “esse costume se forma pela prática dos interessados, pela prática judiciária e pela doutrina”.

Assim como ficou evidente nos enunciados dos parágrafos anteriores, dada a sua atipicidade normativa, o contrato de resseguro é prioritariamente regido pelas cláusulas contratuais e pouco ou quase nada por leis próprias. Em razão de tal especificidade – os costumes são fontes importantes de direito neste segmento, pois que representam a prática usual concernente à interpretação e abrangência que são atribuídas aos diversos padrões ou instrumentos contratuais. Portanto, a inteligência subjacente e uniforme das cláusulas contratuais, aplicada. No Brasil não há, ainda, a prática reiterada de questionamentos e entendimentos firmados acerca das diversas cláusulas contratuais de resseguro – por força do monopólio das operações que se manteve até a promulgação da Lei Complementar n.º 126/2007, o qual reduziu as discussões, ao longo de décadas, essencialmente a determinados aspectos práticos de sinistros, sobejamente em razão de que o IRB-Brasil Re mantinha o “loss control” absoluto sobre as decisões pertinentes. Esta é uma lacuna que a abertura do mercado de resseguro deverá colmatar, em que pesem as dificuldades iniciais do processo.

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