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Código de Defesa do Consumidor: 20 anos e o contrato de seguro
Encontra-se na segunda Seção, a qual reúne a terceira e quarta turmas do Superior Tribunal de Justiça - STJ, o processo que definirá se a Seguradora pode ou não romper unilateralmente um contrato de Seguro de Vida, sob a alegação de flagrante prejuízo atuarial em razão das modificações econômicas ocorridas no tempo, cujo contrato vinha sendo renovado de forma sucessiva, por longo período de anos. A relatora, ministra Nancy Andrighi, já se manifestou no sentido de ser impraticável a rescisão unilateral, mas entende que a Seguradora pode elaborar plano de readequação dos preços, de forma escalonada e com prestações suportáveis ao longo de amplo período de tempo.
O julgamento foi iniciado em novembro de 2008, com o pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha, após o voto da relatora. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi considerou que o contrato não pode ser analisado isoladamente. Segundo ela, “um jovem que vem contratando ininterruptamente o seguro de vida oferecido pela recorrida (a seguradora) não pode ser simplesmente abandonado quando se torna um idoso”.
A ação foi interposta por um segurado que há mais de trinta anos contratou o seguro, renovando-o de forma automática pelo mesmo período. No final do ano de 2006, o segurado recebeu correspondência de sua seguradora, a qual afirmou que não mais renovaria o seguro nas bases vincendas e lhe propôs três alternativas, todas elas consideradas, por ele, excessivamente desvantajosas. Em primeira instância o judiciário entendeu que o contrato poderia ser cancelado, uma vez que o consumidor não tinha direito adquirido à renovação perpétua.
Inconformado com a decisão, até porque ele havia comprado tranquilidade para a sua velhice, o segurado recorreu e, no Tribunal, o teor da sentença foi mantido. A matéria, então, foi submetida ao STJ. A decisão que culminará este caso tornar-se-á emblemática, verdadeiro leading case, pois que coroará a matéria que se encontra hoje com vários entendimentos conflitantes. Estabelecerá, por conseguinte, o norte decisivo para o tema, não há dúvida.
Não há como antecipar o veredicto final, mas pode-se ao menos estabelecer entendimentos em havendo decisão desfavorável ao segurado: estabelecer-se-á a consagração do vetusto princípio do pacta sunt servanda, insculpido que foi nos séculos passados, sob outros paradigmas da sociedade humana. As cortes de justiça de primeira e segunda instâncias, neste caso em comento, assim se expressaram, preservando o que há de mais obsoleto em matéria contratual, desprezando mesmo a nova hermenêutica, a qual propaga pela sistematização do ordenamento, pelo necessário diálogo das fontes; manter-se-á o princípio do voluntarismo formal dos contratos, base fundamental do liberalismo o qual também foi erigido em outras épocas; admitir-se-á o retrocesso constitucional em prejuízo da sociedade consumidora hipossuficiente, na medida em que a CF determinou a proteção do consumidor; aniquilar-se-ão tantos outros princípios ínsitos na nova hermenêutica do direito pátrio voltado à proteção do mais fraco, nesta sociedade brasileira que ainda é desvalida em múltiplos aspectos, mas com prevalência naqueles de caráter sócio-econômico.
Seria diferente o resultado negativo ao segurado, aqui antecipado por pura dedução, se ele pertencesse a outra nacionalidade, vivendo e contratando seguro de vida em país desenvolvido. Por exemplo, um norueguês ou um dinamarquês. Ora, em tal situação hipotética, o prejuízo certamente seria diluído e muito. É reconhecidamente diferente a realidade de um idoso brasileiro, com renda fixa, de um idoso residente em país economicamente desenvolvido. O direito, por sua vez, protege de igual forma esses cidadãos, brasileiro e estrangeiros, mas apenas na sua essência.
O intérprete tem de buscar a realidade local, daquela determinada sociedade. Buscar entendimentos técnicos e mesmo jurídicos acerca do contrato de seguro, estabelecendo parâmetros sobre verdades dogmáticas em face de concepções puras, emolduradas ou simplesmente paradigmáticas e sem levar em conta a realidade da sociedade brasileira não é de direito e muito menos não é de justiça. Repita-se, o direito é criado pela sociedade para a sociedade e não para o direito simplesmente.
O ministro João Otávio de Noronha, não reconheceu do recurso, afirmando que a teoria dos contratos relacionais não se aplica ao caso; afirmou, ainda, que além dos seguros serem temporários, ao se elevar o risco com o aumento da idade dos segurados, não há ilegalidade na majoração.
Outro ministro, Sidnei Benetti, concordou com a relatora no sentido de que não pode haver ruptura brusca e unilateral. Luis Felipe Salomão, outro ministro que já apresentou o seu voto, reconheceu como abusiva a cláusula que prevê o rompimento do contrato.
O ministro Fernando Gonçalves concordou com o ministro João Otávio Noronha, o qual afirmou não ser razoável um contrato assinado há mais de trinta anos manter-se nas mesmas condições. A votação, até 24.02.2010, com 3 votos a 2, a favor do recurso, foi suspensa com o pedido de vista do processo pelo ministro Aldir Passarinho. Será o último a votar. Se empatar, competirá ao presidente da segunda Seção, ministro Massami Uyeda, desempatar (informações extraídas do site do STJ, de 24.02.2010).
Todo o conteúdo desta obra está pautado na doutrina pós-moderna contratual e versada sobre os direitos dos consumidores, notadamente em contratos de relações cativas, tal como acontece nos Seguros de Vida. Não há como não caracterizar e não incluir os seguros de vida na categoria dos relacionais de longa duração.
Com raríssimas exceções, as quais foram sobejamente abordadas nesta obra, por que um pai de família contrataria um seguro de vida por apenas um ano? Por que a seguradora vende a imagem de segurança e tranquilidade perene ao proponente do seguro de vida, nas suas campanhas publicitárias? Por que há essencial apelo à confiança neste tipo especial de seguro, requerendo que o direito de fato tutele este princípio fundamental? Por que a seguradora que calculou mal as suas margens futuras, contrariando mesmo o princípio da empresarialidade e do profissionalismo requerido pelo CC/2002 no desempenho da atividade seguradora, não procura ou é instada a compensar através de novos planos de coberturas (em face de um novo universo de segurados) aqueles eventuais prejuízos ou mesmo aquela simples diminuição da sua margem de lucros, ao invés de tentar penalizar os segurados que confiaram nela muitos anos atrás? Qual a margem de perda real da seguradora naquele programa de seguro de vida, em relação aos seus resultados globais neste e nos anos futuros? Por que pessoas idosas e com renda fixa devem deixar de ser seguradas, uma vez que acreditaram que seriam garantidas no futuro? Nesta obra, há respostas substanciais e justificadoras para todas essas questões que foram aqui levantadas de forma consolidada.
Não há espaço para imaginar uma decisão do STJ que possa contrariar os reclamos da sociedade de consumo, construídos desde os anos 60 nos EUA, pois que teria o condão de estabelecer a insegurança jurídica, na medida em que contrariaria todos os princípios imanentes à proteção do consumidor. Não há espaço, portanto, para tal retrocesso na jurisdição do Estado-Juiz. Há pressuposições e direitos adquiridos ao longo de muitos anos.
Um segurado que contratou seguro na sua juventude, motivado mesmo pela garantia de tranquilidade que tal ação lhe proporcionaria, não pode ver o seu interesse desvalido, em nome das alterações econômicas sofridas no tempo. Há que existir equidade e razoabilidade na decisão, de modo a ser contemplada e prestigiada a justiça. A modificação do preço do seguro (o prêmio), se houver, não poderá ser aviltante, de modo a não permitir a continuidade do segurado naquele programa de seguro que ele contratou, justamente pensando na sua velhice, no ocaso de sua vida. Será indigno, se não puder ser mantida a permanência do segurado no referido programa.
As Seguradoras podem e devem criar novos programas de coberturas e para novos aderentes, com preços diferenciados, de modo a compensarem eventuais desalinhamentos pontuais com grupos segurados ao longo de suas operações. É da atividade delas a utilização de tal estratégia, entre outras de cunho técnico-atuarial.
Compete ao Poder Público fiscalizar as atividades das Seguradoras de maneira conducente ao alcance de tais objetivos e ao Poder Judiciário coibir a prática de medidas contrárias ao Direito. Não há outro entendimento para o tema, em face do atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira. Contrário a isso: o retrocesso do pensamento jurídico contemporâneo e certamente um novo e longo caminho de reconstrução doutrinária.
A injustiça não poderá prevalecer por muito tempo e a história do direito tem comprovado essa verdade. Se assim não fosse, o próprio CDC não existiria no ordenamento nacional. [Texto extraído do livro “Contrato de seguro: novos paradigmas”, de Walter Polido, da Editora Roncarati e com previsão de lançamento para o 1º semestre de 2010]