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Autodeterminação do Mercado Segurador Nacional na elaboração de Programas de Coberturas de Seguros
Walter Polido
O Decreto-lei n.º 73, de 21.11.1966, promulgado dois anos após o golpe militar no país, dispõe sobre o sistema nacional de seguros privados, regulando as operações de seguros e resseguros no Brasil. Apesar das várias modificações que ele já foi objeto, inclusive com muitos artigos revogados, o referido ordenamento determina as linhas fundamentais sobre a atuação da atividade seguradora no país. Concebido em outro momento histórico e também sob a égide de outras correntes dominantes do pensamento contratual, não se pode afirmar que ele esteja consentâneo com a realidade do Brasil e neste momento de desenvolvimento pelo qual está passando o mercado de seguros. O seguro, inclusive, tem muito mais importância hoje para a sociedade brasileira do que representava em 1964.
O consumidor hoje é muito mais exigente também e anseia não só pelo acesso facilitado aos inúmeros tipos de seguros que já existem, como também sobre outros tantos que poderiam ser instituídos no país e a preços muito mais razoáveis. Ainda com referência ao supracitado DL 73/66, pode ser observado no seu artigo 36 (das competências legais da Susep – Superintendência de Seguros Privados), o disposto na alínea “c” (fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional), o qual se mostra totalmente avesso à modernidade exigida para o setor.
Determinar que o Estado tenha a função de desenvolver e operacionalizar o mercado de seguros no Brasil é algo que não mais condiz com o pensamento contemporâneo e especialmente em sociedade que almeja alcançar nível de desenvolvimento muito superior ao atual patamar. Este pensamento foi condizente apenas enquanto perdurou o domínio militar no país, erigido a partir da década de 60. Não condiz mais com a realidade atual, portanto.
E, sendo assim, é necessário mudar este paradigma, urgentemente. Na moderna concepção econômica da intervenção estatal no setor produtivo, retirado todo e qualquer viés de índole meramente de esquerda, e especialmente em área especializada como é a de seguros, sem considerar a de resseguros que apresenta na sua essência a internacionalidade, este dispositivo ainda existente no DL 73/66 requer sua revogação imediata.
Cabe à Susep regular e fiscalizar de maneira conducente o mercado de seguros, mas com vistas na higidez de todo o sistema e em prol sempre da massa segurada, considerando-se o sistema da mutualidade que imanta todo o segmento. Esta tarefa-fim do Estado não se confunde com a determinação de condições contratuais de coberturas de seguros e também com a estipulação de tarifas ou dos preços dos respectivos seguros. Não é mais esta a função do Estado. Não cabe mais à Susep se ocupar dessa atividade, e sob o patrocínio do erário público.
Preparar programas de coberturas de seguros é atividade exclusiva e original da iniciativa privada, as Seguradoras que operam no Brasil. Não cabe ao Estado pretender desenvolver a atividade securitária em pleno século XXI, cuja indústria possui mecanismos e interesses próprios na sua autopromoção maximizada.
Não é necessário, portanto, o Estado se imiscuir na área, com este detalhamento que ainda persiste. A Susep pode e deve facilitar a comercialização de produtos securitários no país e a partir da iniciativa das Seguradoras, mas não pode mais pretender ser a promotora de todas as ações desenvolvimentistas do setor. O tempo é outro. As necessidades também mudaram.
A Susep deve visar à liquidez do sistema, repita-se, em prol de todos os segurados brasileiros, mas não pode ser a condutora de todos os programas de seguros existentes. Ela, inclusive, não está convenientemente preparada tecnicamente para exercer a função de promotora de novos produtos de seguros, até porque não é da atividade dela a tarefa. Há que existir excelência nos conhecimentos afetos, com dinamismo também inerente.
Não compete à Susep essas atribuições, repita-se. Ela não é tomadora de riscos, assim como fazem as Seguradoras e sempre atentas às necessárias mudanças de acordo com os interesses do público consumidor. Não pode a Susep, um órgão estatal e hermético, desempenhar de forma moderna e eficaz esta tarefa. O DL 73/66 precisa ser reformulado, se não revogado completamente, e de modo a incluir o Brasil na pós-modernidade em matéria de intervencionismo estatal na atividade seguradora. Quando a Susep se prepara e anuncia que elaborará as bases contratuais para os seguros de riscos de petróleo, p. p. exemplo, cuja área é especialíssima no mundo todo, e, como tal, requer expertise concentrada, conflita com as mentes abertas e consentâneas com a realidade do sistema.
A Autarquia não é conhecedora deste assunto e, sendo assim, não possui nível suficiente para se arrogar a prerrogativa de promover esta tarefa. Outras linhas encontram idênticos conflitos: seguros padronizados de responsabilidade civil geral em descompasso com as necessidades atuais; seguros para carros populares (afinal qual Seguradora pretende, de fato, operar com este segmento e por que ainda não lançou o produto no mercado, independentemente da iniciativa estatal?); outros. A autorregulação do setor é essencial e requer seja materializada de pronto.
mercado não pode mais permanecer refém de um DL corroído pelo tempo, desgastado pelas mudanças do pensamento contratual que a sociedade brasileira também sofreu. A manutenção do positivismo da lei e por pura ideologia também esgarçada há décadas, sem que nada tenha sido feito para mudar este cenário, até mesmo pela parte em princípio mais interessada – as Seguradoras, não justifica mais a manutenção do DL 73/66 e de seu vetusto artigo 36, “c” – que nada tem acrescentado de positivo para a atividade seguradora do país. Ao contrário disso, os modelos estatais padronizados têm “engessado” a criatividade das Seguradoras que desejam atuar de maneira consentânea à realidade atual, impedindo ou dificultando o avanço ou o desenvolvimento do setor em prol dos novos interesses seguráveis. Essa dinâmica se apresenta justamente de forma paradoxal, uma vez que está transvestida de aparente “protecionismo” do consumidor, o qual a Susep imagina estabelecer firmemente a partir da atuação dela. Não, a Susep não tem protegido o consumidor de seguros quando obriga as Seguradoras a operarem sob a égide dos produtos padronizados que ela estipula. Os segurados deste país não têm acesso a produtos mais sofisticados e que poderiam garantir muito mais riscos do que os referidos padronizados estatizados, se comparados a outros mercados mais desenvolvidos e livres.
Se abusos ocorrerem, por parte das Seguradoras, cabe ao Judiciário penalizar as infratoras e não, em razão deste temor, a Susep simplesmente tolher a inventividade do mercado, proibindo ou apresentando toda sorte de dificuldades quando da criação de novos produtos não-padronizados. O Mercado Segurador não é o mesmo de 1964.
Tampouco os consumidores de seguros, muito mais conscientes e exigentes. Os interesses segurados se alargam e se multiplicam a cada ano. A importância do seguro também tem sido ressaltada na economia e ainda mais para o cidadão que passou a adquirir bens e, por esta mesma razão, busca garantir-se contra infortúnios de toda sorte. O mercado de resseguro também abriu depois de décadas de monopólio que atrasaram o desenvolvimento do setor, em prejuízo de todos. Apenas o DL 73/66 e a função da Susep inserta no art. 36, “c”, não sofreram qualquer tipo de mudança, desde a origem deles. Está mais do que na hora deste problema ser resolvido. O Brasil requer a completa modernização do setor de seguros. Por ela passa também a revisão das atuais atribuições da Susep. O DL 73/66 precisa ser inteiramente repensado, urgentemente.